A literatura tem sido historicamente um campo dominado por homens, refletindo uma sociedade que, por muito tempo, relegou as mulheres à invisibilidade em várias frentes. No entanto, nos últimos anos, temos observado uma mudança significativa nesse cenário, com o mercado literário se abrindo cada vez mais para as escritoras. Esse movimento não apenas valoriza as vozes femininas, mas também enriquece a produção literária com perspectivas diversas e profundas.
O processo de inclusão das mulheres na literatura não foi fácil. Por muito tempo, autoras enfrentaram obstáculos consideráveis para serem reconhecidas e publicadas. A discriminação de gênero, que permeava (e ainda permeia) muitas áreas da sociedade, também se manifestava no universo literário, onde as narrativas femininas eram frequentemente desvalorizadas ou ignoradas. Isso começou a mudar graças a esforços coletivos e individuais de mulheres que não aceitaram a marginalização de suas vozes.
Um exemplo notável desse esforço é o projeto encabeçado por Giovana Madalosso, “Um Grande Dia para as Escritoras”. O movimento se alastrou pelo país a partir de junho de 2022, convocando as escritoras de todo o Brasil a se apresentarem e se juntarem em imagens históricas, que deram origem a um livro com fotografias e nomes das escritoras brasileiras. Eu, inclusive, estive presente na fotografia de Belo Horizonte, realizada na escadaria do Museu CCBB, localizado no circuito cultural da Praça da Liberdade.
Curiosamente, um homem se postou entre nós, sendo o único a aparecer entre as escritoras (99% anjas perfeitas, mas aquele 1%…). A iniciativa buscou valorizar as mulheres na literatura e visava não apenas aumentar a visibilidade das escritoras, mas também promover uma mudança de percepção sobre o valor e a qualidade da literatura produzida por mulheres. Projetos como este são fundamentais para romper barreiras e criar oportunidades para que mais autoras possam compartilhar suas histórias.
Em Belo Horizonte, acabamos criando um coletivo de mulheres chamado “Escribas de Minas” e nos amparamos e valorizamos o trabalho uma das outras. Divulgamos feiras e iniciativas que valorizam escritoras mulheres. No ano passado, uma de nossas colegas e organizadora do coletivo, Cristiane Rodrigues, foi finalista do Prêmio Jabuti. Eu vibrei como se a conhecesse pessoalmente.
Apesar de movimentos como esse, ainda temos muitos desafios em quebrar esse estereótipo entre os leitores. Você, por exemplo, que está lendo este artigo, já contabilizou ou reparou quais foram os últimos livros escritos por mulheres que leu nos últimos tempos?
A lista divulgada pela PublishNews de 2024 coloca apenas duas mulheres na “lista dos 20 mais vendidos (Geral)”. Orgulhosamente, uma delas é a belo-horizontina Carla Madeira, na 6ª colocação.
Por muito tempo na minha vida, lia muita literatura escrita por homens. Não sei se eu não reparava no gênero, ou se era influenciada pelo “é o que temos”, mas o fato é que, atualmente, vivo um momento em que priorizo ler mulheres e autores nacionais. Porque tem outra questão ainda no desafio da literatura: valorizar a literatura nacional. Quando lancei meu livro, foram várias leitoras que me mandaram mensagens elogiando o livro dizendo “eu não gosto de leitura nacional, mas amei o seu livro” ou “demorei a começar a ler, porque tinha preconceito com autores brasileiros, mas me surpreendi com a qualidade do seu livro.”
E já que fui para esse lado da conversa, recentemente a influencer de literatura, Courtney Henning Novak, viralizou em um post do TikTok onde se dizia extasiada pelas obras de Machado de Assis, primeiramente “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e em seguida “Dom Casmurro”. Depois disso, a tradução para o inglês de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” ficou em primeiro lugar entre os livros mais vendidos na Amazon na categoria ficção latino-americana e caribenha. Ainda não foi uma mulher brasileira, mas vamos dar um tempo para que ela conheça a nossa Clarice e outras tantas escritoras vindas daqui, de onde canta o sabiá.
A literatura brasileira é muito boa. Convido você que me leu até aqui, a ler autoras mulheres e se desafiar a ler as mulheres brasileiras. Não sabe por onde começar? Então eu vou te dar uma listinha. Vou começar comigo, sem falsas modéstia, seguida de outras mineiras e brasileiras de todo canto e para todos os gostos: Ivana Vilela, Carla Madeira, Conceição Evaristo, Adélia Prado, Cristiana Rodrigues, Marcela Dantes, Leila Ferreira, Cris Pàz (ou Cris Guerra), Paula Pimenta, Giovana Madalosso, Djamila Ribeiro, Lorena Portela, Thalita Rebouças, Aline Bei, Carina Rissi, Natalia Timerman, Tati Bernardi, Bruna Vieira e muitas outras.
Lembre-se, por mais que a gente faça movimentos, a diferença está em quem nos lê!
* Jornalista, mineira e autora dos livros “A menina que dividiu o coração” e “A menina que ganhou o coração”.